Desde Dezembro de 1640, data inesquecível da Restauração da Independência de Portugal, que a região vivia em constante sobressalto. Os Espanhóis procuravam a todo o custo reassumir o domínio perdido de um país que se libertara de um jugo que, durante anos o humilhara.
A noite de 5 de Julho de 1664 caiu silenciosamente sobre a aldeia deserta. Os Matenses, tendo ainda bem viva na memória os horrores passados em 17 de Outubro de 1642, quando a aldeia foi incendiada e saqueada pelo inimigo, logo que tiveram notícia da aproximação do exército espanhol, refugiaram-se nas arribas do rio Águeda. Para esse local afastado da povoação e de difícil acesso, levaram consigo todos os bens que conseguiram transportar.
As chamas das fogueiras do exército invasor, que acampou nos campos de Mata de Lobos, na zona da Salgadela, brilhavam na noite escura de Verão.
Estava iminente um ataque à fortaleza de Castelo Rodrigo. No alto das muralhas, a centena e meia de homens que compunham a guarnição militar portuguesa, olhava apreensivo o numeroso exército inimigo que, em altos berros, celebrava antecipadamente a vitória que julgavam certa. Pois se até tinham trazido os padres para se instalarem no Convento de Santa Maria de Aguiar!…
Amanheceu! Os canhões, quais ruidosos anunciadores da alvorada, começaram a fustigar as vetustas muralhas portuguesas. Em breve, intenso tiroteio atroava os ares, ouvindo-se a longa distância, inquietando ainda mais as populações aterradas. Nas arribas, onde os Matenses se tinham refugiado, o silêncio e a apreensão contrastavam com o ribombar da metralha.
No castelo, as tropas sitiadas estavam preocupadas com a escassez das munições, perante um numeroso e bem apetrechado inimigo. Aflitos, os soldados portugueses rezavam com fervor a Santa Maria de Aguiar, Padroeira do Concelho, e cujo convento se avista a curta distância, lá em baixo, a caminho do Casarão da Torre.
A estas orações, juntaram-se as das populações vizinhas que, a exemplo de outras alturas, temiam pela sua segurança, caso o inimigo vencesse.
Nas muralhas, massacradas pelas balas inimigas, os soldados portugueses corriam de um lado para o outro, tentando iludir os espanhóis e dar a impressão de que o seu número era maior do que aquele que a triste realidade representava.
O exército invasor, confiante no seu poder, muito superior ao dos portugueses, investiu com fúria, procurando resolver a situação o mais rápido possível.
Foi então, que um soldado espanhol viu uma mulher que, indiferente ao perigo, percorria o recinto, perto do castelo, apanhando as balas do chão e metendo-as num açafate. Quando estava cheio, entregava-o aos soldados portugueses que o içavam com a ajuda de uma corda.
Avisando os colegas, os furiosos espanhóis procuraram evitar este contratempo, fazendo daquela mulher o alvo preferido dos seus disparos. Contudo, como que por milagre, as balas caíam-lhe aos pés, facilitando-lhe a tarefa de as apanhar, sem a molestarem.
Os soldados portugueses, que assistiram do cimo das ameias ao acontecimento, davam brados de alegria, entusiasmando a incansável Senhora que, para desespero do inimigo, continuava na sua faina, como se nada fosse com ela.
Reforçado o poder de fogo da guarnição de Castelo Rodrigo, ripostaram com valentia, mostrando ao invasor que, ao contrário do que tinham pensado, não era tão fácil vencer a pequena, mas heróica força portuguesa.
A dada altura, os soldados de ambos os lados viram, com espanto a Senhora elevar-se nos ares, rodeada por uma auréola brilhante e desaparecer no meio das nuvens.
Nesse momento, os portugueses souberam que Nossa Senhora de Aguiar os tinha socorrido, atendendo às suas súplicas. Um grito uníssono de alegria e fé elevou-se das castigadas muralhas, em louvor da Sua Padroeira.
Com novo alento, aumentado pelo poder da fé, resistiram às furiosas investidas do inimigo, até que surgiram os reforços salvadores de Pedro Jacques de Magalhães, derrotando os espanhóis.
Poucos foram os que escaparam com vida do ataque bem organizado do exército português, procurando na fuga pelas arribas, atingirem o rio Águeda e alcançarem a salvação nas vizinhas terras espanholas. Muitos deles, pereceram às mãos dos lavradores enfurecidos que, com pedradas e armados com alfaias, os perseguiam pela íngreme encosta abaixo. Outros, exaustos, encontraram a morte nas águas do rio.
Estava consolidada a Restauração de Portugal. Esta brilhante vitória das armas portuguesas era mais um rude golpe nas esperanças que a Espanha ainda mantinha em tornar a unir os dois reinos sob a sua coroa.
Esta singela história, que alia a força divina, na intervenção de Santa Maria de Aguiar, ao importante acontecimento do dia 7 de Julho de 1664, mostra bem o arreigado amor e fé que os Figueirenses têm pela sua Padroeira.